Não foi apenas um show. Foi a realização de um sonho guardado por décadas. A Prefeitura levou 800 idosos de instituições de acolhimento para ver o Rei ao vivo, em uma ação que misturou emoção, cuidado e política pública.
A cena era daquelas que marcam uma cidade. Ônibus especiais estacionando, cadeiras de rodas sendo manobradas com cuidado, e olhos marejados — muitos olhos marejados — diante do palco onde um ídolo de várias gerações começava a cantar. Na noite desta quinta, Salvador proporcionou mais do que um espetáculo musical; ofereceu um direito básico e por vezes negado: o direito ao encantamento.
A ação, coordenada pela Secretaria de Promoção Social (Sempre), tinha um objetivo claro e humano: incluir. Incluir aqueles que, pela idade, por limitações de mobilidade ou pela fragilidade dos vínculos familiares, muitas vezes ficam à margem dos grandes eventos. Dos abrigos Dom Pedro II e São Francisco de Assis ao programa Avançar, no Bairro da Paz, 800 pessoas foram transportadas, acomodadas em área acessível e acompanhadas por uma equipe multidisciplinar do início ao fim. Tinham lanche, água, crachá de identificação e, principalmente, atenção.
“Nunca tinha visto ele pessoalmente, só pela televisão. Hoje foi a primeira vez. Estou muito contente, muito alegre. Foi fantástico”, disse Carlos Jesus, 72 anos, do Abrigo Dom Pedro II. A fala simples escondia uma vida de espera. Era a voz de uma geração para quem Roberto Carlos não é apenas um cantor, mas a trilha sonora da juventude.
E a emoção era contagiosa. Maria Inês Caribé Costa resumiu: “Esperei isso por muito tempo e agora consegui ver o Rei”. Já Eliene Silva dos Santos, do Ipafe, foi direta: “Não vou dormir sonhando com esse momento. Na juventude, Roberto Carlos era o nosso ídolo”.
O prefeito Bruno Reis e o secretário Júnior Magalhães estavam lá, e suas falas capturaram o espírito da iniciativa. Reis falou do “carinho” que a terceira idade tem pelo Rei. Magalhães foi mais fundo, tocando no ponto crucial: “São idosos que muitas vezes tiveram o rompimento dos seus círculos familiares, mas hoje têm essa noite mágica, memorável”.
E é aí que a ação ganha outra dimensão. Mais do que um passeio, a noite simboliza uma política pública que precisa ser vista — e celebrada — na sua essência: uma política que enxerga a pessoa, não apenas o cidadão sob tutela. Que reconhece que a velhice, especialmente em situação de vulnerabilidade, precisa de dignidade, mas também de alegria, de cultura, de pertencimento.
A pergunta que fica é incômoda e necessária: por que gestos assim ainda são exceção, e não regra? A logística foi impecável, mas o verdadeiro feito foi outro: traduzir em gestos concretos um princípio básico de humanidade. Salvador mostrou que, às vezes, o maior ato de gestão é simplesmente permitir que sonhos antigos, finalmente, se realizem.
