Vermelho e branco tomaram conta das ladeiras do Centro Histórico nesta quinta (4). Em um só ritmo, a celebração uniu devoção católica e axé, marcando o início da festa popular baiana com shows que iam do sagrado ao terreiro.
O dia não era apenas quente — era fervente. No Pelourinho, o vermelho de Santa Bárbara se misturava ao branco de Iansã em roupas, fitas e velas, numa demonstração viva do sincretismo que é a alma da Bahia. Milhares de pessoas, em devoção e festa, lotaram os largos para o início oficial dos festejos populares no estado, em um evento apoiado pelo Governo da Bahia.
A abertura no palco principal foi uma declaração de intenções. Comandada por Jorginho Commancheiro, a apresentação foi um tributo cuidadoso aos lendários Tincoãs, lapidado pela maestria da compositora Ana Paula Albuquerque. Clássicos como “Deixa a Gira Girar” ecoaram pelo Largo, conectando gerações. “As canções dos Tincoãs permeiam o imaginário do povo”, refletiu Ana Paula, capturando a essência daquele momento: uma mescla pura do que é a cultura baiana.
Mas a força maior da noite tinha nome de mulher — ou melhor, três. A potência vocal de Juliana Ribeiro deu lugar a um momento arrebatador com as participações de Gal do Beco e Negra Jhô. Juntas, formaram um trio imbatível. “Toda essa energia vem de Oyá”, gritou Juliana para a plateia, que cantava e dançava sem parar. — Juntas somos essa força.
E a força seguiu em forma de ritmo. O Samba de Oyá tomou conta do espaço com uma batida vibrante que não pedia licença, apenas adesão. Para a vocalista Bárbara de Oyá, o apoio do governo é vital, mas o combustível é a tradição. “Isso nos dá oportunidade de levar para o povo o samba no dia de Oyá”, destacou.
A festa, porém, não se limitou ao palco principal. Enquanto isso, o Pagode do Carvalho e Tonho Matéria com seu Ensaio do Fogueirão garantiam que a animação fosse total, do Largo Pedro Arcanjo ao Quincas Berro D’Água. O samba junino e o samba de roda se encontravam, e o público seguia no embalo.
Para o turista catarinense Frederico Costa, foi uma surpresa gloriosa. “É um prazer desembarcar em Salvador em um momento tão festivo”, disse, impressionado com a demonstração de força cultural. Já para devotos como Robson Nolasco (Batuji), a emoção era mais profunda. “É no sincretismo que elevamos a negritude e a resistência de uma mulher negra”, afirmou, lembrando que ali, fé e cultura são faces da mesma moeda.
No final, o que ficou não foi só o eco dos tambores. Ficou a imagem de uma cultura que se reinventa sem se perder, que celebra suas divindades com música alta e coração aberto. Uma prova de que, na Bahia, a festa popular sempre começa com axé — e termina com a certeza de que a tradição segue viva, pulsante e necessária.