O Museu do Recôncavo Wanderley Pinho reabriu as portas, totalmente restaurado, no antigo Engenho Freguesia. Mais do que uma reforma física, a nova fase prioriza as narrativas negras e indígenas, transformando o local em um ponto de reflexão e economia para Candeias.
No coração do Recôncavo, onde o cheio da maré mistura-se com o cheiro da terra, um pedaço vivo da história baiana renasce com outra pele. O Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, aquele casarão secular do Engenho Freguesia, foi reinaugurado nesta segunda-feira (8) após uma reforma profunda — mas a transformação vai muito além do reboco novo e da iluminação cênica.
Aqui, o que se restaurou primeiro foi a perspectiva.
Jerônimo Rodrigues, ao entregar o equipamento, deixou claro o propósito: “Este museu não é apenas um prédio restaurado”. A fala do governador ecoa entre as paredes que testemunharam o ciclo do açúcar e suas contradições brutais. A nova missão é educar, provocar e, principalmente, dar voz às histórias que a narrativa oficial calou por séculos.
Concreto, câmeras e pertencimento
O investimento não foi modesto: R$ 42 milhões, tocados pelo Prodetur Nacional. O dinheiro viabilizou desde o restauro meticuloso das edificações até um moderno sistema de segurança com 136 câmeras. A Seinfra entrou com mais R$ 4,5 milhões para pavimentar 2,18 km de vias — porque de que adianta ter um museu vivo se a comunidade ao redor fica isolada?
E é justamente essa comunidade que sente o pulso da mudança. Dalila Ramos, comerciante de Candeias, vê nas portas abertas do museu uma abertura para o futuro local. “A chegada de visitantes é boa para os negócios e para a valorização do que a gente é”, diz ela, capturando a essência do que um equipamento cultural pode fazer: gerar renda e autoestima.
Turismo pelo mar e pela memória
A estratégia de turismo é clara e ousa incluir o acesso pelo mar, com um novo atracadouro. Giulliana Brito, da Setur-BA, fala em inserir o museu em roteiros nacionais e internacionais — uma meta ousada para o Recôncavo. A região não quer ser apenas uma parada rápida, mas um destino de experiência cultural profunda.
Mas será que a infraestrutura turística vai conseguir absorver e distribuir esse fluxo de forma justa? A pergunta fica no ar, como um desafio a ser monitorado.
O que encontra quem visita
Dentro do museu, a curadoria faz a lição de casa. A exposição temporária “Encruzilhadas” reúne 40 artistas brasileiros e africanos, uma ponte contemporânea sobre o Atlântico. Já o acervo permanente, com suas 260 peças, teve 141 itens restaurados — imagens sacras dos séculos XVII a XIX que agora dialogam com outras formas de fé e resistência.
O secretário de Cultura, Bruno Monteiro, acerta o tom: “Este museu agora fala a partir do Recôncavo, dos povos da terra, dos povos negros”. É essa a grande virada. O Wanderley Pinho deixa de ser um arquivo estático para se tornar um espaço de disputa de narrativa, onde a memória é tratada não como relíquia, mas como ferramenta para entender o presente.
A reforma entregou um patrimônio físico impecável. Agora, a verdadeira obra — a de formar novos significados coletivos — está apenas começando. E isso, nenhum orçamento sozinho consegue comprar.
